Chega a ser ridículo a multa prevista de R$ 100 a R$ 500 para quem pratica trote estudantil, quando estes atos colocam alguém em situação ridícula ou ofensiva, conforme prevista no Projeto de Lei nº 1.023 de 1995, e que está, portanto há quase 15 anos mofando nas gavetas dos deputados. O projeto também considera contravenção penal o trote violento, podendo a pessoa ficar detida de um a cinco meses.
Será se R$ 100 ou R$ 500 paga a humilhação sofrida por jovens que sofrem para entrar em uma universidade e quando chegam lá, encontram delinquentes de todo tipo, prontos para atacar e massacrar os novatos? Trata-se de jovens criminosos e deveriam ser punidos conforme previsto no Código Penal. Para que outra lei referente ao assunto?
Para a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf, o ato violento deve ser combatido. “É necessário que haja a punição desses trotes violentos e humilhantes para que não seja uma tradição nacional. O trote deve ser um momento de incluir o estudante na comunidade acadêmica. Não é necessário criminalizar o trote, mas os crimes realizados no momento do trote”.
Lúcia cita a campanha Trote Cidadão, realizada pela UNE em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), que incentiva a integração entre os calouros e veteranos. A iniciativa propõe formas alternativas de recepção dos calouros e repudia ações violentas nas universidades.
“O trabalho que fazemos integra a ação da Unesco chamada Oito Formas de Mudar o Mundo. Distribuímos materiais de conscientização aos veteranos em novembro e damos sugestões de trotes que beneficiem à comunidade como coleta seletiva de lixo e doações de sangue”, relata a presidente da UNE.
A Universidade de São Paulo (USP) criou há dez anos o Disque-Trote. Os alunos que se sentem agredidos com os trotes devem ligar para o telefone 0800-0121090 e denunciar o caso. Segundo o responsável pelo programa, professor Oswaldo Crisello Junior, houve uma grande redução no número de denúncias. A natureza das ocorrências também mudou.
“Hoje as queixas são sobre atividades que os alunos foram obrigados a participar, a pintura de calouros ou o corte de calças, mas fatos mais agressivos são mais raros”, destaca Crisello Junior.
A professora Suely Guimarães, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), lembra que o trote muitas vezes causa traumas ao jovem agredido que exigem tratamento demorado e que podem deixar reflexos até mesmo na idade adulta.
“O aluno quando passa no vestibular já está sob estresse, a frustração que um trote violento gera pode ser recuperável ou não. Em muitos casos é necessário o tratamento medicamentoso”, afirma Suely.
Segundo disse a psicóloga para a Agência Brasil “é preciso destacar transformações sociais verificadas nos últimos anos, como mudanças no ambiente familiar. As crianças não são mais criadas livres, mas de forma reclusa, e o grande socializador tem sido o computador. Outro fator que pode influenciar o comportamento dos jovens é a ausência dos pais em casa, por causa do trabalho. Como conseqüência, tem sido cada vez mais comum jovens procurarem atividades que geram emoção e adrenalina, e, para isso, alguns chegam a usar drogas”.
“Trotes violentos acontecem algumas vezes de forma acidental, ou pelo uso de drogas, mas não podemos descartar o caráter sádico de alguns jovens portadores de desvio de conduta. É importante que os pais e professores estejam atentos e observem o comportamento de seus filhos e alunos e, se necessário, devem procurar ajuda”, orienta a psicóloga.