Doação de órgãos, a nova vida dos transplantados e a recompensa das famílias doadoras

Cláudia de Souza Mamede engravidou pela primeira vez aos 23 anos. Antes mesmo que a pequena Karollyne viesse ao mundo, o coração da dona de casa dilatou, passou a ter dificuldades para bombear o sangue e ficou fraco. Em abril deste ano, ela entrou na lista de candidatos a um transplante de coração. Nove dias depois, um recorde no Distrito Federal (DF), um doador apareceu.

“Eram umas cinco horas e pouco da madrugada de uma sexta-feira. Disseram que tinham um coração que poderia ser compatível. Fui para o hospital, tiraram umas oito ampolas de sangue e, quarenta minutos depois, o resultado saiu – 100% de compatibilidade”, contou Cláudia. Naquela mesma manhã, ela foi para a mesa cirúrgica.

Duas semanas depois de receber alta e ainda na cadeira de rodas, a vontade é apenas de retomar a vida e cuidar da filha, hoje com 5 anos. Cláudia recorda que, antes do problema cardíaco, não era favorável à ideia de doação de órgãos. “Não achava certo retirar o coração, mesmo depois que a pessoa estivesse morta. A gente só sabe das coisas quando elas acontecem. Agora, o que puderem retirar de mim, podem retirar.”

O estudante Felipe Leal, 19 anos, sabe bem a importância da doação de órgãos. Aos 10 anos, começou a apresentar problemas de visão. Na época, os médicos insistiam que era apenas uma alergia. Alguns anos depois, ele recebeu o diagnóstico: sofria de ceratocone – doença degenerativa que compromete as córneas. Em 2010, entrou na lista de candidatos a um transplante.

No dia 30 de agosto, Felipe foi chamado para a cirurgia. Ainda com os pontos no olho esquerdo, o rapaz avaliou a nova chance que ganhou: “De 1 a 10, dou nota 8,5 para a minha visão. Mas ainda faltam dois meses de recuperação”. A doença também atingiu a córnea direita e o jovem tem consciência de que pode precisar de um novo transplante. “Ficava com medo de não dar certo. Hoje, tenho certeza de que vou enxergar.”

“Deus quis assim”

A vontade de Felipe de se formar em educação física e trabalhar com grandes atletas só se tornou uma possibilidade graças a pessoas como Francisco Lopes Sousa, 39 anos. O garçom perdeu o filho de 17 anos há cerca de 40 dias. O menino foi assassinado com seis tiros quando passeava com amigos.

“Cheguei ao hospital, chamei por ele e meu filho apertou minha mão. Foi a última vez”, recordou. Algumas horas depois, já com a morte encefálica confirmada pela equipe médica, Francisco teve que decidir se doava os órgãos do menino. Com uma filha precisando de um transplante de córnea, não hesitou em decidir pela doação.

Logo em seguida, o garçom descobriu que as córneas não poderiam ser doadas para a filha, porque ela ainda precisava concluir alguns exames e porque havia pessoas na frente na lista de espera. No hospital, a própria filha pediu ao pai que autorizasse a doação. Ao todo, foram doados coração, rins, córneas, fígado e pâncreas.

“Estou tranquilo com a minha decisão. Satisfeito, na verdade, porque ajudei muita gente. Quero conhecer essas pessoas”, disse Francisco. Para ele, a doação dos órgãos do filho tem servido como conforto. “Ainda não caiu a ficha de que ele morreu. Às vezes, chamo por ele na casa da avó, mas Deus quis assim.”

 

Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil