Uma ideia original usada na capital do Paraná para combater o analfabetismo foi aliar educação com saúde, despertando assim maior interesse dos excluídos pelas letras.
O aposentado Márcio Bueno, 66 anos, foi fazer uma consulta em um posto de saúde de Curitiba e viu um cartaz que informava sobre um curso de alfabetização para adultos. Ficou algum tempo parado diante do aviso, tentando juntar as letras e, ao mesmo tempo, disfarçar para que as outras pessoas não percebessem que era analfabeto. Foi assim que ele descobriu o projeto Alfabetizando com Saúde, resultado de parceria entre as secretarias de Saúde e de Educação de Curitiba. Hoje, o aposentado tem orgulho de saber ler e de ter renovado a carteira de motorista, agora com o seu nome assinado em vez da marca do polegar, conforme artigo intitulado “Aliar educação e saúde é estratégia de Curitiba para vencer analfabetismo”, escrito por Lúcia Norcio* e publicado na Agência Brasil:
“Quando tirei a carteira, há 40 anos, foi com os dedos. Eu trabalhava com caminhão, conhecia as placas, não precisava saber ler, bastava ter prática. Agora, no curso de reciclagem, eles me deram uma folha para preencher. Sofri bastante, suei muito, mas preeenchi todas as informações do formulário. Tem ideia do que isso significa?”
O projeto da prefeitura da capital paranaense usa temática da saúde na alfabetização de adultos. A iniciativa que teve início em 2002 venceu no ano passado um prêmio internacional de alfabetização da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O convite para participar do projeto é feito durante o atendimento no posto de saúde. Os agentes comunitários, que visitam casas de uma determinada região levando informações sobre saúde, também fazem o convite. Como apenas 4% da população de Curitiba é analfabeta, de acordo com dados da coordenação do projeto, o agente comunitário sabe onde esse público está.
Além de ensinar adultos a ler e escrever, a proposta tem o objetivo de ajudar a pessoa a cuidar da própria saúde. “O adulto só vai estudar aquilo que o atrair, ele vai porque quer tirar a carteira de motorista, ler a Bíblia, escrever carta. O nosso diferencial é a questão da saúde. Como ele tem alguma doença se interessa em estudar, até para melhorar a qualidade de vida”, explica a coordenadora do projeto Alfabetizando com Saúde, Marisa Marini Giacomini.
As aulas são realizadas nas unidades de saúde de Curitiba e mais de 2 mil pessoas já passaram pelo projeto. A metodologia utilizada é a do construtivismo, que procura problematizar os assuntos e evita tratar os temas apenas de forma expositiva.
Após a alfabetização, os alunos podem voltar para a escola, mas muitos preferem continuar no projeto.
“A vida agora nem se compara à de antes. Até para ir ao banheiro eu me atrapalhava, tinha que ter aquele bonequinho na porta. Hoje vou a todos os lugares sozinha, já sei ler o que está escrito na placa do ônibus. Fico sentada lá dentro lendo todas as placas que eu vejo”, conta a aposentada Bernadete de Sá, 64 anos, que participa do projeto desde 2008.
A coordenadora atribui o sucesso da iniciativa à simplicidade da idéia e ao trabalho conjunto das duas secretarias. O projeto diminuiu o número de internações por complicações de diabetes e hipertensão e aumentou a expectativa de vida dos alunos, segundo a Marisa.
Os bons resultados levaram a idéia para a África. Em 2005, o Alfabetizando com Saúde venceu uma seleção e foi implantado na região de Cabo Delgado, em Moçambique.
Uma equipe brasileira, em diversas visitas ao país, elaborou o material didático, capacitou 1,2 mil alfabetizadores e abriu novas salas de aula. “Havia pessoas que estudavam embaixo de árvores, a apostila era um dos únicos recursos que chegou à comunidade, não havia livros, lápis, cadernos”, lembra Marisa.
*Colaborou Beatriz Olivon