O Brasil ainda não tem um cadastro nacional para crianças e adolescentes desparecidos, fato que motivou críticas, durante a audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Câmara, que trata da criança desaparecida. A audiência foi realizada no dia 19, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Enquanto o governo federal acusa o desaparecimento de 1.257 crianças e adolescentes entre 2000 e 2009, as entidades que lidam com o problema estimam em cerca de 40 mil o número de casos por ano.
“Temos um panorama que liga a questão do desaparecimento a várias organizações como tráfico de órgãos, adoções ilegais, exploração sexual infantil, tráfico de drogas, entre outras. Precisamos ouvir os envolvidos com estas investigações para saber o que tem sido feito para combater estas práticas. Só a partir de então poderemos somar os dados e identificar os culpados”, explicou a relatora da CPI, a deputada Andreia Zito, (PSDB-RJ), conforme publicado na Agência Brasil/Luiz Augusto Gollo.
A audiência pública teve a participação de autoridades do Executivo estadual e representantes de organizações não governamentais. “Avançamos um pouco na luta contra o desaparecimento de crianças, mas ainda é quase impossível solucionar esses casos”, disse, Wal Ferrão, presidente do Portal Kids, há dez anos dedicado ao acompanhamento de desaparecimentos e que assessora a relatora da CPI desde o ano passado, bem antes da instalação da comissão, em 18 de agosto.
A ausência de uma delegacia especializada, no Rio de Janeiro, para investigar o desaparecimento de crianças e a fragilidade das investigações policiais também foram discutidas na audiência pública. A mãe de Luciane Torres da Silva, de 9 anos, desaparecida há dois meses, Luciene Pimenta Torres, compareceu à Alerj com o marido Natanael Francisco da Silva, e falou das dificuldades enfrentadas pelos policiais.
“Às vezes, ligam policiais perguntando se eu tenho mais alguma pista. Somos nós, da família, que estamos investigando”, comentou, sem esconder a decepção com a polícia. Mesmo assim, foi à Assembleia registrar o apoio pessoal ao projeto do presidente da Casa, Jorge Picciani (PMDB), criando as delegacias especializadas, apresentado juntamente com uma campanha publicitária anunciada na audiência pública.
“Acho ótima todas essas providências, até para mudar certos padrões e pressupostos errados, como acusar as mães de negligência ou dizer que 80% das crianças desaparecidas fogem de casa devido a maus tratos”, disse a presidente do Portal Kids.
Wal Ferrão reclama a aplicação da Lei 11.259/05, que determina a investigação imediata em casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, além da adoção do Alert Amber norte-americano, um acordo da mídia com a polícia e a sociedade para a divulgação massiva de fotos de crianças desaparecidas.
“Lá, este acordo leva o nome de uma menina sequestrada e morta. Aqui, poderia ter o nome de Alerta Amanda, nome da garota de 11 anos também sequestrada, morta e queimada”, propôs.
O trabalho de dez anos neste tipo de crime levou o Portal Kids a estabelecer o perfil da vítima de sequestro, desaparecimento enigmático ou adoção ilegal como o de uma menina muito bonita, com idade entre 8 e 12 anos, com bom ambiente familiar, geralmente de família religiosa e que raramente está só na rua. É comum estarem acompanhadas de irmãos ou irmãs menores quando desaparecem.
“Muitas vezes existem testemunhas, porque as crianças são levadas diante de todos. Está provado também que os sequestradores não agem sozinhos, o que afasta a hipótese de psicopata ou outro doente mental. Em dupla, um leva a criança e outro observa o desenrolar dos fatos, o alarme e as providências tomadas”, explicou.
O exemplo de Larissa Gonçalves dos Santos, levada de dentro de casa aos 11 anos de idade, na Barreira do Vasco, no bairro carioca de São Cristóvão, é emblemático, para o Portal Kids: vizinhos e um taxista que a teria transportado com o sequestrador foram ouvidos, mas desde o dia 31 de janeiro do ano passado ninguém tem notícia da menina.
Também o caso de Luciene e Natanael é digno de registro porque embora a filha não tenha sido localizada, um homem foi preso e irá a julgamento no começo de dezembro, mesmo negando a participação no desaparecimento. Ele foi reconhecido por vizinhos da menina. Mais do que a condenação, o casal espera saber o que aconteceu com Luciane.
Num ponto, todos os participantes da audiência pública na Assembleia Legislativa fluminense estão de acordo: não basta criar delegacias especializadas para combater o desaparecimento de crianças e adolescentes no país. É preciso envolver a sociedade, alertar sobre o risco e a gravidade deste crime organizado, que espalha a pornografia infantil na internet, a exploração sexual de crianças e adolescentes, a adoção ilegal e até o transplante de órgãos.
Algumas novelas de televisão se empenharam, em passado recente, na divulgação de imagens de crianças desaparecidas, e, em pelo menos um caso, a menina foi localizada e resgatada, depois de dez anos sumida. O que se perguntava, esta tarde na Alerj, é como concertar as ações para coibir o crime contra a infância e a adolescência.