Com 425 mil professores de religião, país ainda não tem critérios claros para formação na área

Um professor capaz de abordar aspectos de todas as religiões, sem privilegiar nenhuma delas. Especialistas em educação acreditam que esse deve ser o perfil do profissional responsável pelas aulas de ensino religioso, cuja oferta é obrigatória nas escolas públicas de ensino fundamental do país. Mas, como cada unidade da federação, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), é responsável por definir critérios para contratação dos profissionais, não há um parâmetro que estabeleça as qualificações e competências mínimas desses professores, que hoje somam 425 mil em todo o país.

Segundo dados do Censo Escolar de 2010, a atividade é exercida majoritariamente pelas mulheres – 88% dos responsáveis pela disciplina são do sexo feminino. Mais da metade (56%) tem ensino superior completo com formação nas mais variadas áreas. Biólogos, historiadores, químicos, licenciados em letras e até matemáticos assumem, nas salas de aula, a função de professor de ensino religioso. A maioria tem formação em ciências da educação (em geral, graduados em pedagogia) – 63 mil dos 425 mil que exercem a função.

Na rede estadual do Rio de Janeiro, por exemplo, para ser professor de ensino religioso, basta ter licenciatura em qualquer disciplina. O estado conta com 600 docentes concursados e uma nova seleção deve ser aberta ainda este ano para preencher 300 vagas. As aulas são oferecidas em 470 das 1.454 escolas estaduais. Segundo a coordenadora de Ensino Religioso da Secretaria de Educação, Maria Beatriz Leal, há déficit de professores.

Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Vereadores da capital fluminense que prevê a ampliação da oferta da disciplina para as cerca de mil escolas municipais. A recepcionista Jussara Figueiredo Bezerra tem dois filhos, um de 10 e um de 8 anos, que estudam em uma escola municipal da zona sul. Evangélica, ela acompanha com certo receio o debate sobre a proposta porque acredita que esses valores devem ser transmitidos em casa, pela família.

“Quem são os professores que vão dar as aulas de religião? Será que eles serão imparciais? Além disso, com tantas dificuldades e carências que o ensino público já enfrenta, por que gastar dinheiro com isso? Esses recursos poderiam ser usados de outra forma, para melhorar a estrutura já existente nas escolas. Quem quiser aprender mais sobre uma religião deve procurar uma igreja ou uma instituição religiosa”, disse.

Em Brasília, Lídia Said trabalha, há 20 anos, como professora de ensino religioso para turmas do 5º e 6º anos do ensino fundamental. Graduada em educação física e psicologia, a educadora defende que a disciplina é importante para a formação dos jovens e que as orientações curriculares da Secretaria de Educação do Distrito Federal são suficientes para assegurar um conteúdo que não privilegie nenhuma crença. “Seria impossível alguém falar que nós temos que trabalhar todas as religiões porque a cada dia surge uma nova. Mas os grandes grupos a gente consegue trabalhar”, diz, mostrando um livro com informações e imagens sobre símbolos de diferentes credos.

O caminho encontrado por Lídia para contemplar essa diversidade é abordar o que ela chama de valores universais de todas as crenças, como o respeito ao próximo e a paz. “O nosso programa trabalha a formação da pessoa. Quem não quer ter uma vida mais segura em relação à violência ou à corrupção? Isso quem fornece é a formação religiosa e não outra disciplina. O ensino religioso trabalha uma busca interna, que é de todo o ser humano, independentemente da sua crença”, defende a professora.

Católica, Lídia não costuma perguntar aos alunos qual a religião de cada um, mas estimula que eles troquem informações sobre as diferenças em rituais ou princípios em que acreditam. “Isso me ajuda [não saber a religião de cada um] porque sei que tenho que usar uma linguagem muito neutra e com o foco sempre em Deus”, conta.

Nas aulas entram temas como a morte da cantora Amy Winehouse –que Lídia aproveitou para falar sobre o uso de drogas e a valorização da vida –até passagens bíblicas. Se os alunos perguntam sobre sexo, ela também fala sobre o tema.

Segundo a professora, muitos estudantes contam que não tem o hábito de frequentar espaços religiosos, e a maioria das famílias não se preocupa com esse tipo de formação. “E isso, para mim, é mais um motivo para que a escola tenha formação religiosa. Ele precisa saber que Deus existe, seja Alá ou Jeová. Ele precisa saber que Deus existe e que ele [aluno] é amado. A escola pode despertar isso”, avalia.

O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper) defende a importância da disciplina nas escolas, mas reconhece a necessidade de que se estabeleçam critérios claros sobre a formação profissional para que os princípios constitucionais – laicidade do Estado e obrigatoriedade do ensino religioso sem proselitismo – sejam respeitados.

“Uma pessoa sem formação dificilmente conseguirá falar com base em um ponto de vista científico sobre essa diversidade religiosa. A gente precisa ter uma formação que consiga trazer a diversidade com propriedade, com olhares das várias ciências humanas e sociais para que o olhar do professor seja o mais amplo possível, que ele se dispa de preconceitos e que, embora tenha seu credo ou não, ele possa trabalhar com bastante seriedade e sem proselitismo na prática pedagógica”, defende Elcio Cecchetti, coordenador da entidade.

 

Amanda Cieglinski*
Repórter da Agência Brasil
*Colaborou Thais Leitão, do Rio de Janeiro    //  Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo

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