O Vaticano convocou ontem para uma consulta seu Núncio (embaixador) na Irlanda, Giuseppe Leanza, depois dos duros ataques lançados na semana passada contra Roma pelo primeiro ministro irlandês, Enda Kenny, sobre o comportamento do Estado Vaticano durante anos de abuso sexual contra crianças irlandesas. As palavras de Kenny, pronunciadas no dia 20 em um debate no Parlamento, foram baseadas em um relatório independente, publicado na semana anterior, sobre abusos sexuais em instituições comandadas pela Igreja Católica.
Segundo o jornal espanhol El País, é o quarto relatório da Irlanda sobre a questão do abuso físico, psicológico e sexual. A grande diferença, no entanto, entre este documento e os anteriores é que, enquanto o primeiro criticava muito duramente a Igreja local, este último relatório culpa diretamente Roma por tudo que está acontecendo, o que está causando a crise mais grave vivida pela Igreja Católica nos tempos modernos.
Que a Igreja Católica como uma instituição é responsável, se não dos abusos mesmos, pelo fato de ter protegido aqueles que os cometeram, é algo que está fora de questão. O Estado irlandês é culpado por associação, por ter protegido a Igreja no momento e até mesmo por tê-la livrado de quase toda responsabilidade econômica para compensar as vítimas, é também algo conhecido. Na maioria das ocasiões os autores dos abusos não eram denunciados à polícia e simplesmente eram transferidos para outra instituição, também é um fato já mostrado nos relatórios anteriores.
Então, porque tanta polêmica agora? Por duas razões. Em primeiro lugar, porque o relatório revelou uma carta confidencial de um antigo embaixador (núncio) do Vaticano afirmando que as políticas de proteção das crianças que começaram em 1996 constituíam uma violação do direito canônico. Segundo o relatório, a carta “na prática dá aos Bispos da Irlanda individualmente a liberdade de ignorar estes procedimentos”, e apoiar e proteger aqueles líderes da Igreja que decidiram ignorar as políticas postas em execução pela autoridade política civil para acabar com os abusos. A segunda razão para o alvoroço é o apoio explícito do governo irlandês a este novo relatório.
O primeiro ministro Enda Kenny disse ontem “espantado” com o apoio extraordinário está recebendo depois de lançar seu ataque contra o Vaticano, na semana passada. “O fato de ter recebido milhares de mensagens de todo o mundo fala por si sobre o impacto e os sentimentos do povo”, sublinhou.